Transtorno Depressivo Maior (CID-11: 6A70)

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10/09/2025 às 15:14, atualizado em 10/12/2025 às 18:55

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A tristeza, em sua essência, é uma resposta humana e passageira, uma nuvem que cruza o céu da nossa vida e depois se esvai. No entanto, o transtorno depressivo, popularmente chamado de depressão, não é uma simples nuvem; é um estado de persistente escuridão que se instala na alma, afetando não apenas o humor, mas a própria capacidade de sentir, pensar e agir no mundo. É um peso que oprime, uma condição médica complexa que anula o interesse e esvazia a energia, impondo um prejuízo significativo e real à experiência de vida. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), não se trata de fraqueza, mas de uma das principais causas de incapacidade global. Acolher essa dor exige de nós, profissionais, um rigor ético e um olhar profundo, guiado pelas balizas da CID-11 e do DSM-5.

O vazio que se instala — As formas da depressão nos manuais

Para que possamos oferecer um cuidado efetivo, é fundamental que o sofrimento encontre uma linguagem, um nome. Os manuais de classificação internacional, como a CID-11 e o DSM-5, oferecem critérios que diferenciam a depressão da tristeza comum e de outros transtornos, direcionando o manejo clínico.

Na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), o diagnóstico do Episódio Depressivo (Transtorno Depressivo de Episódio Único 6A70) exige a presença de pelo menos dois sintomas fundamentais por um período mínimo de duas semanas, causando sofrimento intenso ou prejuízo funcional.

Entre os sintomas fundamentais, destacam-se:

Imagem do artigo: Transtorno Depressivo Maior (CID-11: 6A70)
  • Humor deprimido: Tristeza, vazio ou irritabilidade, persistentes.
  • Anedonia: A perda acentuada do interesse ou prazer em atividades que antes eram fontes de satisfação.
  • Redução da energia: Fadiga constante, mesmo sem esforço, resultando em uma diminuição geral das atividades.

A esses, somam-se sintomas adicionais como a dificuldade de concentração, o sentimento avassalador de culpa ou inutilidade, a alteração no sono e no apetite, e, no limite da dor, os pensamentos recorrentes de morte ou suicídio — um sinal que exige intervenção imediata.

De forma convergente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) define o Transtorno Depressivo Maior pela necessidade de ao menos cinco dos nove sintomas listados, com a presença obrigatória do humor deprimido ou da anedonia, persistindo por duas semanas ou mais. O DSM-5 também nos lembra da Distimia (Transtorno Depressivo Persistente), uma depressão crônica de menor intensidade, mas que se arrasta por no mínimo dois anos.

A trama de fatores — Herança biológica e o peso da história

Nenhum sofrimento psíquico, e a depressão é um exemplo contundente disso, surge de uma causa singular. Ele é tecido na complexa interação entre nossa biologia e as marcas deixadas pela vida.

A ciência nos mostra que a predisposição genética existe, aumentando a vulnerabilidade em quem tem histórico familiar. No plano neurobiológico, um desequilíbrio na regulação de neurotransmissores cruciais como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina é um fator reconhecido. Há também a influência hormonal (como o cortisol elevado em situações de estresse crônico) e alterações na atividade cerebral, especialmente em áreas ligadas ao processamento de emoções e à tomada de decisões (córtex pré-frontal).

Entretanto, nossa história é o campo onde esses fatores biológicos florescem ou murcham. Eventos traumáticos (luto, perdas significativas, violências) e o estresse crônico prolongado, seja no trabalho ou nas relações, funcionam como gatilhos poderosos. A depressão também está frequentemente associada a condições médicas crônicas, como doenças cardiovasculares ou dor persistente, reforçando o laço bidirecional entre o corpo e a alma. O uso inadequado de substâncias, muitas vezes como uma tentativa de automedicação, agrava ainda mais o quadro.

Se a sua angústia tem se manifestado de forma persistente, iniciar um processo de análise pode ser o caminho para compreender o que está em jogo.

O caminho da cura e do sentido — Psicoterapia, acolhimento e escuta

Apesar de toda a sua gravidade e prevalência (a OMS estima que mais de 300 milhões de pessoas sofrem com ela globalmente), a depressão é altamente tratável. O caminho mais humano e eficaz é aquele que integra a psicoterapia e, quando necessário, o apoio da farmacoterapia.

A escuta, no setting analítico, busca ir além da superfície do sintoma. O sofrimento depressivo aponta para questões de sentido e para as perdas que o sujeito não conseguiu elaborar. A Psicanálise oferece um espaço para transformar o vazio em palavra, trabalhando as experiências passadas e os conflitos não resolvidos que se manifestam no presente como anedonia e culpa. Outras terapias, como a TCC, atuam auxiliando na identificação e reestruturação dos padrões de pensamento negativos que alimentam o estado depressivo.

A farmacoterapia, conduzida com rigor por um psiquiatra, tem o papel de reequilibrar a química cerebral. Os Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) são frequentemente a primeira linha de tratamento, atuando como um suporte químico que permite ao paciente engajar-se efetivamente na terapia e nas atividades de vida diária.

A recuperação é um processo integral que se complementa com o cuidado com o estilo de vida — sono regular, exercícios físicos e, vitalmente, a manutenção de uma rede de suporte social forte. O isolamento, sintoma central da depressão, precisa ser combatido com o apoio de familiares, amigos e o vínculo terapêutico.

A depressão raramente é isolada. A comorbidade com transtornos de ansiedade e transtornos por uso de substâncias é altíssima. No entanto, o aspecto mais urgente e grave é o risco de suicídio. A ideação suicida exige monitoramento imediato e acolhimento clínico prioritário. A depressão não é um destino, mas uma condição que, com o diagnóstico precoce e o cuidado individualizado, pode ser transformada em um caminho de autoconhecimento e retomada da qualidade de vida.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5). 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação internacional de doenças (CID-11).

Photo by Lucas Pezeta from Pexels: https://www.pexels.com/photo/woman-in-white-clothes-on-a-corner-2967156/

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